‘Ríos’ de emoções
O vascaíno precavido janta cedo para fazer a digestão com calma. Ele pratica apneia de dia para controlar a respiração à noite.
O torcedor do Vasco, nos últimos anos, deixou de acompanhar as partidas por diversão e passou a se envolver única e exclusivamente como uma medida para o coração. O futebol, para o cruzmaltino, já não é mais entretenimento, mas sim um exercício cardiorrespiratório.
Um despreparado sucumbe antes mesmo do intervalo. O mais forte, quase sempre termina de joelhos – seja pelo cansaço físico ou por apelo espiritual.
Contra o Avaí, não foi diferente.
O golaço de Wagner, aos dois minutos, num desses chutes mágicos que encerram até rachão mais cedo, trouxe ao vascaíno um sentimento que há tempos ele não vivia: o de gritar gol antes de lançar o primeiro palavrão. O torcedor sequer havia sentado no sofá e já foi brindado com um lance de rara felicidade do meia.
Um chute tão bonito que até Douglas, o goleiro, se virou para acompanhar a trajetória. Eu diria que o arqueiro só não aplaudiu porque estava sendo filmado. Mas deve ter tido vontade.
Eu teria.
Quando Andrés Rios marcou o segundo, dominando na área com a liberdade de um passarinho, a torcida experimentou outro sentimento inédito no ano: o de abrir dois gols de vantagem ainda no 1º tempo de um jogo. Desde o longínquo duelo com o Oeste, em setembro do ano passado, que o time não conseguia tal feito. E, na ocasião, terminou com uma vitória apertada por 3 a 2.
Isso porque há no Vasco uma veia dramática inegável. O clube, o time e seus arquibaldos, têm vivido de extremos, de melodramas muitas vezes desnecessários. Prova disso é que a equipe briga por vaga Libertadores e contra o rebaixamento ao mesmo tempo.
Não há tranquilidade em São Januário. É euforia ou desespero.
O Vasco perdeu o gosto pelo fácil. Não tem mais o tino, a sagacidade, para dar ao seu torcedor uma noite tranquila de sono. O Vasco vê uma lagoa e tenta fazer onda, se depara com uma criança dormindo e a acorda. Há uma inquietação até mesmo durante a vitória.
No cruzmaltino, lance bonito no meio-campo vira expulsão. Do seu jogador, o mesmo que deu o drible.
A expulsão de Rios era o ponto de reviravolta que os vascaínos aguardavam desde o gol de Wagner. O torcedor precavido, que citei no início, sabia que em algum momento a emoção ganharia corpo. Esse, tomou Rivotril no intervalo, só por garantia. E fez bom uso.
O Vasco que vence, hoje, é tão perigoso quanto o que perde. O primeiro, pela facilidade de se desconcentrar, e o segundo, pela incapacidade de reação quando alvejado.
Mais certo que o drama – assim como foi contra Sport e Chapecoense -, só o gol de Betão na sequência do cartão vermelho. Não havia momento mais apropriado para se transformar uma partida controlada em um grande teste cardíaco.
O coração é fundamental no futebol. Principalmente o do torcedor. Mas ele deve passar por provas apenas quando necessário, não dá para ser testado todo fim de semana.
A vitória foi essencial para o Vasco. A emoção, entretanto, foi desnecessária.