Distância
São duas da madrugada e Fábio já está acordado. Chegou o dia que sonhou por anos. Após muito relutar, finalmente havia decidido pegar o carro, reunir os amigos e partir de Curitiba para o Rio de Janeiro.
A decisão veio após o título carioca do Vasco. Na verdade, uma aposta impulsionou a viagem. Se o título viesse, ele e seus parceiros encarariam 13 horas de estrada para finalmente conhecer a Colina Sagrada.
A distância é grande, mas o atraso talvez seja maior do que esperava. Fábio e seus parceiros chegam 15 anos atrasados para ver o Vasco que tanto lhes encantou na infância. Aquele, que não exigia respeito, impunha, não está mais por lá.
O gol do Palmeiras com três minutos não tira sua esperança.
‘- Já vi esse jogo, pode fazer três que a gente vira’, brada o bravo vascaíno paranaense. Também pudera, afinal, após tantas horas dirigindo e tantos anos sonhando, perder a fé após 180 segundos seria algo incompreensível.
Porém, sua profecia dos três gols se concretiza, e a fé, que parecia justa, torna-se utópica. Os velhos companheiros se entreolham no intervalo como se buscassem uma razão para estarem ali ou talvez uma resposta para a pergunta que pairava em suas cabeças: ‘Por que logo hoje?’.
Desolado, começa a me contar sua saga. Fala que sempre quis vir a São Januário, mas sempre faltou tempo e dinheiro.
‘- Se esses caras soubessem o que a gente faz para acompanhar o nosso clube de coração, eles não perderiam assim. Vim ver o Vasco e saio daqui com a sensação de que ainda não o conheço. Isso aí não é.’, diz emocionado.
A torcida na etapa final já era para que a humilhação não fosse ainda maior. Por isso, comemorou a primeira defesa de Jordi como se fosse um título. Aplaudiu efusivamente a entrada de Riascos, assim como vaiou quando o sistema de som falou o nome de Aislan.
Fábio tinha mais 45 minutos para buscar algo parecido com o que o fez encarar mais de meio dia sentado dentro de um carro. Mas isso também lhe foi privado.
‘- Meio dia? Mais, ainda tem a volta. Vamos voltar hoje, precisamos trabalhar amanhã. Folga vão ter os jogadores, eu não. Meu dia de folga era hoje e vim pra cá. Nunca mais eu volto!’, esbraveja o torcedor.
Em meio ao caos que era o time em campo, o gol do colombiano ao menos arranca o primeiro sorriso do curitibano após o apito inicial. E abastece até aquela fé perdida.
‘- Se fizer o segundo já melhora, hein? De repente um empatezinho…’, diz. E eu concordo com a cabeça, sem jeito de lhe dizer que é melhor torcer para não sofrer o quinto. O tempo corre, e o discurso vai voltando à realidade.
‘- Se fizer o segundo pelo menos fica menos feio’. Agora sim concordo de verdade, mas sigo torcendo pelo apito final.
O jogo termina e o frustrado cruz-maltino já não tem nem mais forças para reclamar dos jogadores que deixam o gramado.
‘- Nem sinto mais raiva, só decepção. Não vale a pena se aborrecer’, desabafa para si mesmo.
Antes de ir, pede para eu bater uma foto dele com os amigos. Mas sem o placar no fundo. Quer o registro do lugar, da aventura, dos parceiros, do dia, mas não do jogo. Puxa do fundo um sorriso, mais pelas companhias do que pelo Vasco que não viu.
‘- Valeu, a gente se esbarra por aí.’, diz enquanto desce as arquibancadas.
‘- Ué? Não falou que não vinha mais?’, eu pergunto.
‘- Ainda quero vir ver o Vasco, esses aí ficaram me devendo. Pelo menos aprendi o caminho, espero que o clube também ache o seu’, diz Fábio.
E parte para mais 13 horas de estrada de volta… Tão distante quanto o Vasco de si mesmo.